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sexta-feira, 26 de agosto de 2011

INTRODUÇÃO AS CARTAS PAULINAS 01

  1. Introdução
Nos escritos do NT encontramos vinte e uma Cartas. Treze delas são atribuídas ao Apóstolo Paulo (algumas tem sua autoria questionada, como veremos adiante), e outras são colocados sob a autoridade de outras figuras significativas da Igreja primitiva: duas são de Pedro; três de João; uma de Tiago e uma de Judas. E temos a “Carta” aos Hebreus de um autor desconhecido e que muitos atribuem a Paulo. Para a fé cristã estes escritos têm uma grande importância, seja porque são “canônicos”, seja porque deram origem à sucessiva reflexão teológica. Lendo as Cartas percebe-se logo que os autores manifestam um vivo testemunho da vida das primeiras comunidades. Estas Cartas enriquecem muito o quadro que obtemos do livro dos Atos dos Apóstolos, composto no final do I século.

  As Cartas Paulinas é uma reflexão teológica ou pastoral num segundo momento (com exceção da Carta aos Romanos). Antes disso, houve o trabalho missionário de fundar e organizar as comunidades. É certo que o número de comunidades fundadas pelo Apóstolo Paulo e seus companheiros foi muito maior daquelas que receberam alguma Carta. Outra constatação importante é que não foi possível conservar todos os escritos Paulino.
Algumas cartas se perderam e não estão no cânon bíblico.
  Antes do estudo propriamente dito das Cartas Paulinas, vamos conhecer um pouco melhor a figura do seu autor. Sem conhecê-lo bem, é também sempre mais difícil entender toda a riqueza da sua mensagem. O ambiente e o contexto de cada uma das comunidades será conhecido por ocasião do estudo particular de cada Carta.

  2. Paulo de Tarso
Em grego Paulos, derivado do latim Paulus, que quer dizer pequeno.
O Apóstolo Paulo nasceu entre os anos 5 e 10 dC, na cidade de Tarso da Cilícia (At 22.3). Era filho de judeus, da tribo de Benjamin e como era o costume foi circuncidado ao oitavo dia. São Jerônimo informa que seus pais eram de Giscala, na Galiléia. Paulo cresceu seguindo a mais perfeita tradição judaica (Fl 3.5). Tinha uma irmã e um sobrinho que moravam em Jerusalém (At 23.16). Sua profissão era artesão, fabricante de tendas (At 18.3). O seu estado civil também é um tanto incerto, ainda que na maioria das vezes se afirme que era solteiro. De fato, em 1Cor 7.8 ele escreve “Aos solteiros e ás viúvas, digo que seria melhor que ficassem como eu”. Mas em 1Cor 9.5 ele escreve “Não temos o direito de levar conosco nas viagens uma mulher cristã, como fazem os outros Apóstolos e os irmãos do Senhor e Pedro?”.
  Ainda jovem foi para Jerusalém e, na escola de Gamaliel, se especializou no conhecimento da sua religião. Tornou-se fariseu, ou seja, especialista rigoroso e irrepreensível no cumprimento de toda a Lei e seus pormenores (At 22.3).
  Cheio de zelo pela religião, começou a perseguir os cristãos (Fl 3.6; At 22.4s; 26.9-12; Gl 1,13). Esteve presente no martírio de Estevão, cujos mantos foram depositados aos seus pés (At. 7.58). Continuou perseguindo a Igreja (At. 8.1-4; 9.1-2) até que se encontrou com o Senhor na estrada de Damasco (At. 9.3-19). A experiência de Jesus mudou completamente a sua vida. De perseguidor passou a ser o anunciador até a sua morte, provavelmente em 68 dC.
  Na sua primeira missão apostólica, entre os anos 45 e 49, anunciando o Evangelho em Chipre, Panfilia, Pisidia e Lacônia (At. 13-14), passou a usar o nome grego de Paulo de preferência a Saulo, seu nome judaico (At. 13.9).
  Era um homem bem preparado, além de conhecer bem a sua religião (o que pode ser comprovado pelas muitas citações ao AT), possuía boas noções de filosofia e das religiões gregas do seu tempo. Em Tarso, sua cidade natal, havia escolas filosóficas (dos estóicos e cínicos) e também escolas de educadores. Ali nasceu Atenodoro, professor e amigo do imperador Augusto. Paulo algumas vezes utiliza frases desse educador: “Para toda criatura, a sua consciência é Deus” (Rm 14.22a). Ou: “Guarde para você, diante de Deus, a consciência que você tem” ou: “Comporte-se com o próximo como se Deus visse você, e fale com Deus como se os outros ouvissem você” (1Ts 2.3-7). Além disso, conhecia bem o grego e o método da retórica. Esforçava-se para compreender o modo grego de viver. Além disso, era cidadão romano (At. 16.37s; 22.25-28; 23. 7). Embora não mencione isso em suas Cartas, como se o desprezasse, pois para verdadeira cidadania é outra (Fl 3.20). Porém, ele soube tirar proveito desse título, bem como de toda a bagagem cultural adquirida, para conduzir todos a Jesus (1Cor 9.19-22).
  Lendo as Cartas percebemos o caráter do Apóstolo: às vezes muito meigo e carinhoso; às vezes, severo. Não abria mão das suas idéias e ameaçava com castigos. Escrevendo às comunidades comparava-se à mãe que acaricia os filhinhos e era capaz de dar a vida por eles (1Ts 2.7-8). Sentia pelos fiéis as dores do parto (Gl 4.19). Amava-os, e por isso se sacrificava ao máximo por eles (2Cor 12.15). Mas era também pai que educava (1Ts 2.11), que gerava as pessoas, por meio do Evangelho, à vida nova (1Cor 4.15). Sentia, pelas comunidades que fundou o ciúme de Deus (2Cor 11.2), temendo que elas perdessem a fé. Quando se fazia necessário, exigia obediência (1Cor 4.21).
  Muitas vezes Paulo é apresentado como alguém distante do povo e das suas comunidades, incapaz de manifestar sentimentos, indiferente ao drama das pessoas, anti-feminista, moralista e assim por diante. Os que vêem Paulo com esses olhos esquecem-se de suas viagens, cadeias, sofrimentos, perigos e, sobretudo, sua paixão por Jesus e pelo povo (É importante notar que para os judeus alguém que fosse condenado a morte, e suspenso numa árvore, era considerado um maldito de Deus ( Dt 21.22-23).
Era capaz de amar todos os membros de todas as comunidades, sem distinção, chamando-os de “queridos” e “amados” ou “irmãos”. Queria que todos fossem fiéis a Deus. Assim se tornariam seus filhos, como por exemplo, era Timóteo (1Cor 4.17). É interessante ler as suas Cartas e anotar com quanta freqüência ele usava expressões, tais como: tudo, todo, sempre, continuamente, sem cessar, etc., e com elas expressar sua constante preocupação para com todos. E basta uma leitura mais cautelosa das suas Cartas para descobrir que Paulo não é assim tão insensível e que todo o seu apostolado vem carregado de sentimentos. “Nós vos falamos com toda liberdade, ó Coríntios, o nosso coração se dilatou. Não é estreito o lugar que ocupais em nós, mas é em vossos corações que estais na estreiteza. Pagai-nos com igual retribuição; falo-vos como a filhos: dilatai também vossos corações!” (2Cor 6.11-13).
  Encontrou dificuldade para ser aceito como Apóstolo. As suspeitas vinham de o fato ser um perseguidor e, sobretudo porque não foi escolhido pessoalmente por Jesus. Quatorze anos após a sua conversão, subiu a Jerusalém, para o Concílio, onde defendeu a não circuncisão para os pagãos. Ele mesmo se defendeu das acusações (Gl 1.12, 2Cor 9.2-3; 12.1-4). Para ele, anunciar o Evangelho era uma obrigação: “Ai de mim se eu não anunciar o Evangelho!” (1Cor 9.15-17).
  Em sua incansável missão de anunciar o Evangelho Paulo sofreu muito, mas não desistiu. Ele mesmo relata algumas das situações difíceis que passou: “Muitas vezes, vi-me em perigo de morte. Dos judeus recebi cinco vezes os quarenta golpes menos um. Três vezes fui flagelado. Uma vez apedrejado. Três vezes naufraguei. Passei um dia e uma noite em alto-mar. Fiz numerosas viagens. Sofri perigos nos rios, perigo dos ladrões, perigos por parte de meus irmãos de estirpe, perigos dos gentios, perigos na cidade, perigos no deserto, perigos no mar, perigos dos falsos irmãos! Mais ainda: fadigas e duros trabalhos, numerosas vigílias, fome e sede, múltiplos jejuns, frio e nudez!” (2Cor 11.23b-27). Teve que lutar contra os falsos missionários (2Cor 10-12) que anunciavam um Evangelho fácil, que fugiam da humilhação e da tribulação. Anunciavam um Jesus sem a cruz. Paulo anunciava o Jesus Crucificado, ainda que isso fosse escândalo  (1Cor 1,23)[1]. Porém a cruz não era o fim. O mesmo Jesus da cruz é também o Jesus Ressuscitado (1Cor 15).

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